LIBERTAR UM POVO? É PRECISO FAZÊ-LO COM O POVO…

Sei que muitos de vós se questionarão se esta pergunta se justifica ou não, mas para mim, este questionamento surge do facto de observar a multiplicação de diversas iniciativas e projectos políticos em prol de um único objectivo e de um único povo, o povo de Cabinda e o seu território…

Por Osvaldo Franque Buela (*)

Há algum tempo que se tem verificado nas redes sociais uma onda de uma nova associação política que comunica agressivamente com uma certa clareza eloquente sobre os méritos da sua visão para Cabinda, e acompanhando atentamente a sua comunicação, a primeira questão que me veio à mente é, se esta associação pode conduzir Cabinda à autonomia acrescida que defende, sem o apoio massivo e voluntário do povo cabindense… e de facto, esta associação é a Aliança Pan-Africana para a Paz em Cabinda, APPC.

Com a minha pequena experiência posso afirmar que libertar um povo sem o mesmo é uma maneira ineficaz de combater a opressão, altamente controversa e, na maioria das análises políticas e históricas, considerada contraproducente no longo prazo.

Se a opressão, por definição, é o exercício de poder cruel, injusto e não consensual sobre um povo, o movimento que assume o dever de libertar este povo deve fazê-lo com o povo e construir um projecto político de forma consensual com outras forças vivas dentro deste povo.

O combate à opressão exige e exigirá sempre a mobilização dos oprimidos por que na maioria dos casos, as lutas mais bem-sucedidas contra a opressão foram impulsionadas pela mobilização em massa e pela acção directa ou indirecta dos próprios oprimidos, como foi nas primeiras horas da FLEC.

O combate ao regime opressor do MPLA de João Lourenço não passa apenas por uma simples revisão das leis ou do estatuto especial de Cabinda, nem por uma revisão do memorando do Namibe, mas sobre a mudança de relações de poder, o que exige uma capacidade de organização do povo e resistência das bases.

Por outro lado, fazer política “sem o povo” sugere que uma elite (intelectual, militar ou política) se encarregará de libertar o povo, mas entre nós, falando francamente e mesmo que a intenção seja “benévola”, essa abordagem pode facilmente se transformar em outra forma de opressão, pelo próprio facto de ignorar a realidade, as verdadeiras necessidades e prioridades dos que sofrem, com esta opressão do regime do MPLA há 50 anos.

Gostaria, por isso, de dizer aqui aos meus amigos, irmãos e compatriotas da APPC que a história nos mostra que governos ou grupos que afirmam agir “pelo povo” sem a sua participação frequentemente acabam por se tornar novas fontes que alimentam a repressão.

Por uma vez, e sem comprometer as suas boas intenções, digamos aos irmãos da APPC que em regimes democráticos, o que o MPLA não é, a política pressupõe a soberania popular e para tal combater a opressão do MPLA em Cabinda exige empoderar o povo de Cabinda, e não delegar a luta a uma minoria seja ela esclarecida como fez o FCD. Se a opressão é um problema, a solução deve incluir a participação representativa e a voz daqueles que sofrem, daqueles que se sentem marginalizados na sua própria terra.

O combate eficaz e duradouro à opressão do povo de Cabinda exige que este mesmo povo seja o protagonista de sua própria libertação, abraçando o vosso projecto.

O que pensar do silêncio do regime sobre uma revitalização e defesa dos acordos do memorando de paz no Cabinda, recentemente lançado pela União para a Defesa dos Acordos do Namibe, do General José Tembo Bissafi?

Para mim, o “silêncio do regime” angolano sobre a União para a defesa dos acordos de Namibe, assinado em Namibe em 2006 pode ser interpretado sob diversas perspectivas, que reflectem a complexidade e a delicadeza do conflito em Cabinda.

Eu acredito firmemente que para o regime angolano do MPLA e o seu incompetente presidente, o silêncio pode significar missão cumprida e que o Memorando assinado com o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), liderado por António Bento Bembe, do qual José Tembo Bissafi é vice presidente, foi considerado pelo governo como a solução política final e o fim oficial do conflito no território.

A implementação de aspectos como o Estatuto Especial para Cabinda e a integração de quadros do FCD na vida nacional e militar são vistos como passos concretos do acordo.

Enquanto nós, os ditos intelectuais cabindas, perdemos tempo a multiplicar movimentos políticos sem tomar medidas concretas que possam perturbar este regime ou ameaçar os seus interesses, o MPLA considera que a questão de Cabinda está politicamente controlada e que levantar o tema publicamente apenas daria voz a fações que continuam a exigir a independência (como a FLEC-FAC), o que pode provocar reabertura a discussão sobre a integridade territorial, no seu entender.

O silêncio do MPLA é uma tática deliberada para desgastar e desmobilizar os movimentos independentistas remanescentes, retirando-lhes a atenção mediática e o palco político. Ao tratar o problema como “resolvido” e não digno de debate contínuo, o MPLA busca apenas consolidar a narrativa da paz forçada e da indivisibilidade.

Para os movimentos da sociedade civil, activistas e fações da FLEC que não reconhecem o Memorando o silêncio do MPLA reflecte o incumprimento efectivo do Memorando e argumentam que, 19 anos após a assinatura, “nada mudou” em termos de desenvolvimento local, autonomia real e pacificação total, com relatos de continuação dos confrontos militares em algumas zonas.

O MPLA silencia o tema para evitar uma renegociação que poderia forçá-lo a discutir concessões mais amplas ou até mesmo um referendo sobre a autodeterminação, algo que Luanda sempre rejeitou veementemente, pois Cabinda é essencial para a economia angolana devido ao petróleo.

Este silêncio é uma manifestação da falta de diálogo genuíno com as forças vivas e a população local que permite ao governo apenas impor a “paz militar” enquanto reprime a liberdade de expressão. O silêncio, neste caso, é uma ferramenta de poder.

O MPLA prioriza outras crises nacionais que infelizmente não resolve (económicas, sociais), relegando o Memorando para segundo plano, uma vez que a ameaça à segurança é considerada de baixa intensidade em comparação com os conflitos internos da própria história angolana.

Em suma, pensar o silêncio do regime sobre os acordos de Namibe é pensar na dualidade entre a narrativa oficial de paz e estabilidade e a realidade persistente do conflito, do activismo e do debate sobre a autodeterminação do território. É um sinal de que o problema fundamental de Cabinda não foi verdadeiramente resolvido a contento de todas as partes, mas sim, gerido e contido militar e politicamente.

Mais uma vez, em vez de multiplicarmos as alianças políticas, encontremos caminhos e meios para multiplicar as forças do consenso em prol de um entendimento digno de nos conduzir a vitórias dignas da nobreza da nossa causa.
Deus abençoe Cabinda e o seu povo.

(*) Escritor pan-africanista e refugiado político em França.

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